sexta-feira, 17 de agosto de 2012

"Todas estas coisas que eu fiz".

Eu não sou muito fã de Titanic. Suporto, é um filme legal, mas me irrito com ele em algumas partes.

De cara, poderia comentar o número de vezes que Rose chama Jack e Jack chama a flor dele. Tudo bem, era uma situação realmente desesperadora, mas... Sei lá. Chame com apelidos carinhosos, ou crie um epíteto forte (O Maravilhoso Jack, O Poderoso Jack, O “Estranhoso-Mundo-de-Jack”). Use a criatividade, pronomes existem por uma razão.

Também me irrito com a cena (alerta de spoilers para quem tem menos de dez anos. E que não viu o relançamento em 3D. E que não tem SBT em casa) que ele morre. Sei que é lugar-comum, mas isso não torna menos verdade um fato: cabiam os dois naquela porta.

De qualquer forma, não é nesse ponto que eu quero chegar (se é que alguma vez quis chegar em algu—Nossa, dejà vu). O que me ponho a imaginar com freqüência é: o que raios pensava Jack enquanto percebia que ia morrer? Quais foram os pensamentos que o aqueceram antes de ele... Bem, congelar?

Em outras palavras, o que Jack pensou quando, de alguma forma, alugou e assistiu Titanic?


Ele pode ter pensado em o quanto ele gostaria de continuar vivendo apenas para ter Rose do lado dele. Pensou o quanto queria que aquela porta coubesse os dois (...) simplesmente para que eles pudessem sobreviver e serem resgatados, e levados ao continente para construírem uma família juntos, e terem filhos juntos. “Ah, Rose. Como eu gostaria de poder chamar seu nome mais trinta mil vezes até a voz me fugir dos lábios e as lembranças da minha mente. Lembra aquela vez que estávamos nos amando num navio e ele acertou um cubo de gelo no meio de uma infinidade aquática?” Eles ririam. “Deus, qual era a probabilidade disso acontecer?” Será que quando ele reviu a vida dele foi a imagem de Rose que lhe foi evocada? Será que quando ele assistiu Titanic foi Rose que ele viu?

Talvez não. Talvez ele fosse como eu, e enquanto ele assistia Titanic, e se via congelar e afundar azuladamente até o fundo do mar, ele pensou em tudo o que ele não tinha feito. Talvez tenha refletido como ele poderia ter sido um grande desenhista, ou pintor, ou escultor. Como ele poderia ter retratado tantas outras garotas francesas, e quando, num golpe de sorte, um grande aristocrata visse sua arte e o contratasse para retratar toda a sua família. Ele então teria seu trabalho reconhecido, e não mais teria de viajar clandestinamente em navios que “nem Deus afunda”. “Esta eu chamo de ‘Madame Rose’”, ele diria, apontando orgulhosamente para sua nova obra de arte. “É sobre uma mulher que conheci uma vez, que me obrigou a escolher entre minha arte e meu amor por ela”, e ele falaria isso olhando para o chão, com os olhos pesados com mil quilos de lembranças, “e, bem, cá estou eu”. Dariam sorrisos solidários para ele e o aplaudiriam.

Tudo isso se o navio simplesmente tivesse navegado em qualquer direção para longe daquele proporcionalmente insignificante cubo de gelo – ou se ele simplesmente não tivesse entrado no navio para começar. Tão perto e tão longe.

Oh, Jack...

Mas imagino que, de qualquer forma, Jack teria desligado o projetor com um incômodo dentro de si, como uma coceira num lugar que não se pode alcançar, algo que o impelia a sair dali correndo num rompante desgovernado, encontrar Rose e ser um grande artista antes que sua vida encontrasse um iceberg.

Imagino que, qualquer que tenha sido a ambição perdida de Jack, ele teria uma sensação muito clara de que a vida é curta, e que não somos super-heróis. Imagino que ele teria percebido que, se um cubo de gelo no meio do nada poderia afundar o navio mais avançado da época como se fosse feito de papel, talvez ele mesmo não fosse durar tanto quanto ele imaginou. Ele morderia os lábios com nervosismo, olharia para os lados, passaria a mão pelo cabelo, levantaria do sofá e iria ligar para Rose, ou desenhar alguma coisa.

Porque a verdade é que somos Titanics e, por mais que tentemos, dificilmente veremos o iceberg se aproximando. A única certeza é que ele vai chegar. Todo o nosso esforço talvez devesse se concentrar em fazer o que precisamos fazer, equilibrando o que queremos fazer com o que devemos, e alcançar a plenitude do que foi planejado para nós, e por nós.

               Tudo isto para, quando a banda começar a trocar olhares de adeus entre si e tocar “Mais Perto Quero Estar” em seus violinos, nossas memórias e conquistas, grandes e pequenas, sejam a mão de Rose e o adeus que congela o sorriso em nossos rostos. 

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